Média salarial da categoria é de 4,8 salários mínimos. Especialistas alertam para a importância de estimular a capacitação profissional (Camilla Venosa)


A carreira do magistério é conhecida por passar dificuldades em diversos âmbitos, como mostra levantamento do Ibope, encomendado pela Organização Todos Pela Educação. Os dados destacam a baixa média salarial da categoria, que gira em torno de 4,8 salários mínimos, e a pouca qualificação, apenas 9% deles têm mestrado. Além disso, apontam que 56% dos professores trabalham em escolas públicas municipais e 67% lecionam no interior dos estados. Para Caroline Tavares, gerente do projeto Profissão Professor do Todos Pela Educação, o foco para uma solução eficaz deve estar na capacitação dos profissionais. “Precisamos de professores bem capacitados, com uma boa prática docente. Sem isso, não tem educação de qualidade. É necessário um conjunto de iniciativas estruturantes da carreira”, explica.

A amostra faz um panorama da situação atual da profissão, mas os próprios professores também destacam outros desafios do dia a dia. Denise Montandon, professora do ensino fundamental da rede pública, conta que os desafios são mais profundos do que se imagina. “Essa questão vem de uma esfera mais ampla, como a falta de direcionamento, não saber onde se quer chegar com a criança, dificuldade no currículo a ser passado. Muitas vezes, direcionamos o aluno para passar em provas de concurso e vestibular, o que não é exatamente uma formação e, sim, só passar informações”, explica. Montandon também alega que a falta de recursos, apesar do que muitos dizem, não é o principal dos problemas. “Às vezes, um país não tem tanto recurso, mas tem boa educação porque tem valores, sabe onde quer chegar, tem um projeto claro e sabe atender aos princípios da nação”, afirma.

Para Sílvio Augusto Miranda, que atua há 11 anos no mercado de trabalho, a pluralidade dos jovens é uma das principais questões dentro da sala de aula. “Um dos maiores desafios é tentar agregar todos os alunos para um mesmo objetivo. Os jovens são mais plurais e têm objetivos mais individuais. Você precisa tentar fazer com que o grupo trabalhe junto”, diz. Por conhecer profissões diferentes, o educador aponta uma valorização ambígua da carreira. “Ao mesmo tempo que é valorizada, é desvalorizada. É difícil chegar a uma conclusão. Quando você fala que vai ser professor, todo mundo enaltece que é uma profissão importante, mas, quando alunos decidem ser professores, nem sempre os pais acham que é o melhor caminho. Então, a sociedade acha importante, mas não tem uma valorização de mercado”, protesta Miranda.

A pedagoga Cristiane Foly de Freitas, que leciona matemática e filosofia para crianças do 5º ano, lembra da necessidade dos professores em continuar estudando e acompanhando a realidade dos estudantes. “Hoje, a criança chega sabendo até mais do que você em determinados assuntos por causa da tecnologia. Então, você precisa estar muito mais atualizado e flexível no seu planejamento para acompanhar o desenvolvimento deles”, explica.

Além dos pontos levantados pelos professores, a pesquisa elaborada pelo Ibope aponta má remuneração, rotina desgastante, falta de infraestrutura e recursos, e desvalorização da carreira como os pontos de maior reclamação da categoria. Para Tavares, não existe uma única solução, é preciso uma ação conjuntural. “A primeira coisa é criar um marco referencial docente, ou seja, definir o que é um bom ensino e, a partir disso, quais as competências que os professores precisam ter. Depois disso, é fazer uma progressão de carreira que se desenvolva a partir desse referencial, para que os melhores professores não saiam das salas de aula”, esclarece. Porém, a gerente expõe que essas melhorias precisam atingir outros âmbitos da profissão. “A atratividade da carreira diminuiu no mundo inteiro, principalmente em países sem políticas docentes estruturadas. Por isso, é preciso atrair alunos que têm um melhor rendimento no ensino médio para a carreira. E para isso temos de ter melhores condições de trabalho”, comenta.

Rebeca Otero, coordenadora de Educação da Unesco no Brasil, lembra que a educação é um direito de todos e, por isso, uma responsabilidade da sociedade. “O que as pessoas, os gestores e os políticos precisam entender é que educação é um direito de todos, e ela precisa ser ofertada a todos com qualidade. Se o aluno está na escola, mas não aprende, estão tirando o direito dele de aprender, é uma falha inclusive legal”, manifesta. Outros países da América Latina também apresentam um cenário educacional precário, mas Rebeca lembra que não podemos comparar essas realidades. “Temos problemas comuns em termos de rede, como salário e pouca qualificação, mas não podemos comparar”, afirma.

A tecnologia já faz parte da rotina das salas de aula e, além dos queridinhos celulares, tablets também entraram na roda. Apesar de serem considerados por alguns como fuga de atenção, é difícil evitar a presença desses aparelhos tecnológicos nas escolas e universidades. “Já passou a fase que a escola era rival da tecnologia, porque achava que atrapalhava a aprendizagem. Agora, o professor se abre para o mundo de recursos para chamar a atenção dos alunos. Com a ajuda da escola e dos pais, o aluno precisa saber filtrar o que é proveitoso”, comenta o professor Silvio Augusto Miranda.  (IG e CV)

Professores pioneiros

Nascida em Goiânia, uma das professoras pioneiras do Distrito Federal Natanry Ludovico Lacerda Osorio parecia destinada à capital federal. Determinada, de espírito desbravador, sonhava em fazer parte da primeira equipe de educadores de Brasília. “Bati o pé. Queria ajudar na educação. Minha vocação é de educadora. Fui contratada por Israel Pinheiro em agosto de 1959, antes mesmo da inauguração de Brasília.”

Ao chegar, a impressão que teve foi a de estar em um faroeste. “Eram duas situações climáticas: ou era poeira ou lama. Mas isso me enchia de esperança. Juscelino era contagiante. Sempre vi Brasília com entusiasmo. Ainda não tinha lago, mas já via acontecer”, conta a educadora de voz firme e energética.

Em 1979, o sonho da professora se tornou realidade e ela lecionou em Taguatinga, onde alfabetizou a primeira turma de candanguinhos (como eram conhecidos os filhos dos pioneiros que vieram para Brasília durante a sua construção), feito do qual muito se orgulha. A professora é viúva de Antônio Carlos Osório, primeiro advogado a montar um escritório na Cidade Livre, atual Núcleo Bandeirante.

Sobre a relação com Juscelino Kubitschek, apesar de não tido contato direto com o ex-presidente, ela relata que ele sempre foi entusiasta. “Passava e cumprimentava a todos. Nunca teve vaidade. Era uma pessoa simples, afetuosa e cheia de alegria. Seu espírito contagiava a todos”.

Hoje, com 79 anos, Natanry conta que a chama de pioneira permanece acesa. Ela foi administradora do Lago Sul em 2006 e é cofundadora da Ação Social do Planalto, que trabalha com crianças em situações de risco. “Tenho uma dedicação grande a tudo que faço. E continuo trilhando o caminho no auxílio ao próximo.”

Com cinco filhos, 12 netos e cinco bisnetos, ela procura estimular os pequenos no hábito da leitura. “Preparamos um momento sem celular ou tablet. Ali é só o livro. Conto histórias o tempo todo. Explico que é assim que eles vão aprender a ler e escrever”.

Nascido em Santos, Isaac Roitman cursou odontologia na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (SP), de 1959 a 1962. Durante esse período, ele se interessou pela microbiologia.  “Fiz um curso de odontologia, mas não tinha vocação alguma. Durante o curso, um professor me mostrou o caminho da ciência e da academia. Ele foi meu inspirador. Fiz uma pós no Rio e passei temporadas no exterior, nos EUA, Israel, Inglaterra estudando. Foi baseado nesses exemplos que decidi me tornar professor”, conta.

Roitman iniciou a carreira profissional em 1964, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele se mudou para Brasília em 1972, quando começou a lecionar na Universidade de Brasília (UnB), implantou o Laboratório de Microbiologia e ajudou a criar o primeiro curso de biologia molecular do país.

“Vim numa época de crise em que a maioria se demitiu por perseguição política, e foi iniciado um renascimento que foi quando vim. Foi um período de entusiasmo, tinha uma dívida com Darcy e Anísio. Colocamos a UnB numa posição correta, mas precisamos melhorar o trabalho, não terminou”, contou.

Com 58 anos de carreira e 79 de idade, o professor emérito da UnB continua ligado ao Núcleo de Estudos do Futuro da universidade. Ele orientou 19 teses de mestrado e nove de doutorado, apresentou 166 trabalhos em reuniões científicas e publicou mais de 61 trabalhos em revistas científicas.

Aos alunos, ele aconselha que aproveitem o tempo de estudo. “O tempo não volta, tem de aproveitar para crescer a cada minuto, sempre dar um passo para frente para ser uma pessoa importante para a sociedade. O maior prazer do professor é ver que seus estudantes o ultrapassaram. Tenho alunos que começaram comigo no ensino médio e, hoje, são capas de revistas internacionais. A melhor coisa para avaliar o professor é o sucesso do aluno.”

Aos professores, ele pede esperança: “Que não percam o ânimo. A universidade sofre altos e baixos, mas temos um compromisso com essa geração futura”. Isaac é casado com a professora odontóloga Celina, tem quatro filhos e cinco netos, aos quais continua transmitindo sua história e conhecimento. (Fonte: Correio Braziliense)

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