Para a aprovação de uma mudança constitucional é preciso o equivalente a três quintos da Câmara e do Senado. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

 

 

Ideia é que medidas sejam alteradas depois com trâmite mais simples no Congresso; equipe de Bolsonaro avalia renda mínima para capitalização (Idiana Tomazelli)

 


Para “desengessar” as regras de aposentadoria no Brasil sem gerar uma enxurrada de propostas sobre a Previdência, o governo avalia prever na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) regras transitórias para alguns pontos da reforma, segundo apurou o Estadão/Broadcast. A ideia é fixar essas normas deixando um comando para que no futuro elas possam ser alteradas por projetos de lei.

 


Os pontos que teriam essa regulação transitória na Constituição, com um comando que abria caminho para a aprovação de novas regras em lei ordinária ou complementar, ainda estão sendo decididos pela equipe que trabalha na formulação da proposta.

 


Algumas questões devem ser necessariamente definidas na Constituição, como a criação do regime de capitalização e a fixação de uma idade mínima de aposentadoria.

 


Em tese, porém, é possível prever que essa idade possa ser posteriormente redefinida em lei infraconstitucional. Outra possibilidade é a regra de cálculo dos benefícios. Até algumas definições da aposentadoria dos servidores públicos poderiam sair da Constituição. Na proposta do ex-presidente Michel Temer, essa regra transitória já existia para a aposentadoria de policiais civis e federais.

 


A mudança evitaria uma enxurrada de propostas legislativas sobre a Previdência e ao mesmo tempo “desengessaria” as regras de aposentadoria no Brasil. Também facilitaria futuras mudanças na Previdência, mas sem obrigar o atual governo a consumir todo seu capital político aprovando propostas em série nos plenários da Câmara dos Deputados e do Senado, o que dificultaria o avanço de outras pautas prioritárias.

 


A tarefa de aprovar a regulamentação infraconstitucional (que não precisa mexer na Constituição) poderia inclusive ser deixada para o próximo presidente da República.

 


As discussões vêm sendo conduzidas com bastante reserva pelos formuladores da proposta e não há ainda qualquer definição sobre as regras que serão tratadas segundo esse modelo. Mas há o consenso de que é preciso “desengessar” a forma de definição das regras previdenciárias do País.

 


Uma mudança constitucional precisa do apoio de 308 deputados e 49 senadores – equivalente a três quintos de cada uma das Casas. O esforço para aprovar os projetos de lei é bem menor: 257 deputados e 41 senadores (maioria absoluta), no caso de lei complementar, e a maioria desde que presente a maioria absoluta, no caso de lei ordinária.

O governo Temer havia optado por tratar tudo numa PEC para tocar de uma única vez as negociações com o Congresso Nacional. No entanto, as denúncias contra o agora ex-presidente acabaram tirando capital político e enfraqueceram as articulações pela aprovação da proposta.

 


Hoje já é possível mexer em alguns pontos por projeto de lei, como a própria regra de cálculo e o tempo mínimo de contribuição para a aposentadoria. Mas como o plano do novo governo é aproveitar a PEC que já está em tramitação no Congresso Nacional, a regulação transitória é uma saída possível para conciliar esses interesses.

 


Consultores legislativos ouvidos pelo Estadão/Broadcast afirmam que é possível usar as emendas à PEC para fazer as adaptações necessárias e inserir o comando para uma posterior redefinição da regra em lei infraconstitucional.

 


Renda mínima

 

O sistema de capitalização que o novo governo pretende criar para a Previdência dos futuros trabalhadores deve valer apenas para quem ganha a partir de determinada renda, segundo apurou o Estadão/Broadcast. O ponto de corte ainda não está fechado pela equipe econômica, mas a vantagem desse modelo é que diminui o custo da transição, pois evita grandes perdas de arrecadação que ocorreriam se todos os novos trabalhadores migrassem e passassem a contribuir apenas pelo novo modelo.

 


A capitalização é um regime em que o segurado contribui para uma conta individual, que será remunerada e depois é usada para bancar os benefícios. Hoje, vigora no Brasil o regime de repartição, em que as contribuições pagas pelos trabalhadores e empregadores ajudam a bancar os benefícios de quem já está aposentado.

 


A migração integral deixaria o governo sem receitas para pagar os benefícios, acentuando o déficit bilionário que já existe hoje.

 


A ideia em estudo pelos técnicos é que, para até determinado salário, não haverá alterações em relação ao formato atual de contribuição, ou seja, continuaria o regime de repartição. Para quem ganha acima desse valor, haveria uma segunda contribuição sobre a parcela acima do valor de referência, direcionada à conta individual capitalizada.

 


A visão no grupo de discussão sobre a reforma é que esse desenho híbrido, além de suavizar o custo de transição, vai melhorar a aceitação da proposta no Congresso Nacional. Para grande parte da população, nada mudará no regime de contribuição para a aposentadoria. Além disso, será mantido o caráter distributivo do regime de repartição.

 


Caso a capitalização valesse hoje para quem ganha acima de R$ 4,7 mil mensais, seriam atingidos 4 milhões de contribuintes ativos do INSS, ou 7,9% do total, segundo dados compilados pelo consultor legislativo Pedro Nery. Com um valor de referência menor, de R$ 3,8 mil mensais, contribuiriam para as contas capitalizadas 5,8 milhões, ou 11,4% do total. Já a capitalização vigorasse para quem ganha acima de R$ 2,8 mil mensais, abarcaria 9,3 milhões, ou 18,2% do total.

 


O desenho deve ser inspirado na proposta coordenada pelo ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga e pelo economista Paulo Tafner e que contou com o trabalho de Leonardo Rolim, que é secretário de Previdência no novo governo. Nessa proposta, a chamada Nova Previdência valeria para nascidos a partir de 2014 (que ingressarão no mercado de trabalho a partir de 2030).

 


Segundo a proposta Arminio-Tafner, o valor de referência para definir quem deve contribuir também no modelo de capitalização seria de R$ 4,72 mil em 2030, caindo para R$ 3,95 mil em 2040, quando se encerraria a transição. Depois disso, de acordo com o modelo, o ponto de corte para ingressar na capitalização seria equivalente a 70% do teto do INSS. Os cálculos divulgados pelos coordenadores da proposta indicavam uma perda acumulada de R$ 11,7 bilhões até 2040, em valores atuais.

 


Embora essa proposta seja bastante conhecida dos integrantes do governo, fontes afirmam que não há definição sobre o valor que será adotado como referência para a capitalização, e o tema segue em discussão. “O sistema híbrido (baseado em dois regimes) diminui a perda de arrecadação do governo, porque apenas uma parte do salário iria ser investido no mercado, enquanto o resto continuaria fazendo caixa pro INSS. É a prescrição do Banco Mundial", afirma Nery. (Fonte: Estadão)

 

 

 

 

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