Programa foi anunciado quando muitas empresas já sentiam os impactos econômicos do coronavírus

(Foto - Ricardo Stuckert) - Economistas da Unicamp apontam que queda no consumo por conta da redução dos salários deve atrasar a recuperação econômica depois da pandemia (Por Tiago Pereira)

O Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, criado pela Medida Provisória (MP) 936, publicada na semana passada pelo governo Bolsonaro, que possibilita corte de jornads e salário, e até mesmo a suspensão dos contratos de trabalho, vai provocar reduções na massa salarial do setor privado que variam de 9,4% a 27,7%, a depender do nível e do tipo de adesão. O programa foi anunciado como um socorro às empresas, em função da suspensão da atividade econômica decorrente da pandemia de coronavírus.

Além dos impactos individuais, com o empobrecimento dos trabalhadores com carteira assinada, a resposta insuficiente do governo para manter a totalidade desses rendimentos deve reduzir o consumo das famílias e retardar a retomada da atividade econômica ao final do período mais agudo da crise. São as conclusões de estudo elaborado pelo Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica do Instituto de Economia (IE) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

No cenário mais previsível, segundo os economistas, a estimativa é que o custo fiscal com o programa fique em torno de R$ 24 bilhões por mês, equivalente a 0,3% do Produto Interno Bruto (PIB). Com investimentos adicionais de 0,2% do PIB, seria possível manter inalterados os rendimentos dos trabalhadores. Esses custos poderiam ser recuperados mais adiante, com retomada mais “rápida e vigorosa” da atividade, graças a manutenção da renda e, em consequência, do consumo das famílias.

“Esse valor é muito inferior ao custo fiscal de outras intervenções já anunciadas, como os recursos destinados a garantir a liquidez do mercado financeiro”, diz o estudo. Nesse sentido, apontam os economistas, “é plenamente factível e justificável a expansão da participação pública no programa de garantia de renda para os trabalhadores formais”, preservando parcela de participação das médias e grandes empresas.

Reduções
A massa salarial cai porque as compensações anunciadas pelo governo não repõem integralmente os cortes. O trabalhador que tiver o contrato de trabalho suspenso, o que pode ocorrer por até 60 dias, receberá seguro-desemprego nesse período. O problema é que o benefício varia de R$ 1.045 a R$ 1.813,03. As perdas ocorrerão para os rendimentos que ultrapassem esse teto. Terão os salários preservados apenas os trabalhadores que ganham um salário mínimo.

Empresas com faturamento anual bruto superior a R$ 4,8 milhões anuais terão de pagar ao menos 30% dos salários. Em caso de redução parcial da jornada, que pode ser de 25%, 50% ou 70%, o trabalhador teria direito à fatia equivalente do seguro-desemprego.

O estudo mostra ainda que as perdas são mais elevadas quanto maiores forem os cortes e também quanto maiores forem os salários. Para aqueles que recebem três salários mínimos, a queda na renda deve variar entre 10,5% a 42,2%, a depender da redução da jornada. Para quem ganha cinco salários, a perda pode alcançar até 65,3%. Trabalhador com salário de R$ 5.225,00 passaria a receber R$ 1.813,03, o teto do seguro-desemprego.

Muito pouco, muito tarde
Para a economista Ana Luíza Matos de Oliveira, doutora pelo IE da Unicamp e professora da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), além de insuficiente, o programa emergencial foi anunciado tardiamente. Segundo ela, não vai funcionar para garantir a maior parte da renda dos trabalhadores. E também já não serviu para evitar demissões, que já estão ocorrendo.

“Além de ser ineficiente para manter a massa salarial estabilizada, o programa foi anunciado muito tarde. Veio mais de um mês depois ficamos sabendo que o Brasil tinha casos da covid-19. As pessoas haviam mudado seus modos de vida, com isolamento social, há muito tempo, e renda das empresas já está sendo muito afetada. Já estão demitindo muita gente”, diz Ana Luíza.

Ela também afirmou que as perdas na massa salarial podem até mesmo superar os 27,7%, já que o estudo se baseou nas faixas fixas de redução da jornada, enquanto a MP 936 prevê outras faixas de redução, a serem acordadas diretamente entre patrões e empregados. Com a queda “abrupta” na massa salarial, os impactos econômicos e sociais devem ser “fortíssimos” nos próximos meses, segundo a economista, já que o consumo das famílias é um dos componentes mais importantes na atividade econômica do país.

Ana Luíza também destacou que programas de preservação de emprego e renda estão sendo adotados em diversos países europeus, como França, Alemanha e Suíça, entre outros. Mas o “desenho” desses programas, por lá, preservaram parcela maior da renda, o que vai ser importante para a retomada das atividades econômicas, ao fim da crise. (Fonte: RBA)

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