O presidente do Banco daInglaterra, Mark Carney, declarou semana passada que o capitalismo podesoçobrar se não agir com ética. Que ética?
 Marx já adiantava que o capitalismo tende adestruir a si mesmo em seu processo de expansão e acumulação. Não certamente deuma vez mas aos poucos. Aos poucos, como? De crise em crise de superprodução.Ocasiões em que o excesso de bens e serviços colocados no mercado não realizasuas vendas diante da demanda corrente.
Ospreços caiem diante dos estoques amontoados. As empresas perdem receitas, oslucros são derrubados, trabalhadores são dispensados e as empresas reduzem maisque proporcionalmente a produção. Movimento cíclico: superprodução, queda dereceitas e redução da produção de um lado, desemprego, redução da renda e da demanda de outro.
Keynespercebeu a armadilha e para salvar o funcionamento do sistema pregava ocontrário, o movimento anticíclico. Nas crises, o lado da produção na balançaeconômica deveria ser reduzido sim para se readaptar às mudanças, mas não tantoa ponto de comprometer drasticamente o nível de emprego. Novos investimentosdeveriam ser incentivados. O outro lado da balança, a demanda, seria afetadopela queda na produção, mas seria ainda capaz de sustentar o período de ajustamentoda produção. As novas oportunidades abertas com os novos investimentosreestruturariam a demanda.
Sea produção projeta sua demanda, esta segura ou não a produção a depender dosempregos criados e dos salários pagos. É claro que a produção não segura ademanda por altruísmo, coisa que não existe no capitalismo, mas ela deveriasegurar a demanda sim para sua própria segurança e até mesmo sobrevivência nomercado. Henry Ford foi outro que disso também se apercebeu e pagava na épocasalários melhores que o mercado a seus trabalhadores para que eles tambémpudessem ajudar na sustentação da produção em geral e de seus automóveis pelaseventuais aquisições.
Aextensão das relações capitalistas levou ao sistema oligopolista onde poucosgrandes grupos econômicos dominam a produção no mercado. E também a demandaagregada, o chamado oligopsônio. Hoje em dia a produção mundial, globalizada,está nas mãos desses grupos que sustentam a produção e a demanda.
Nós,pobres consumidores, vivemos das oportunidades de emprego e trabalho geradosmajoritariamente por eles e com as rendas e salários obtidos sustentamos comnossas compras mensais parte da produção global. A outra parte esses mesmosgrupos sustentam por meio das compras realizadas entre eles.
Osbancos entram nesse complexo de relações entrecruzadas principalmente pela viado financiamento à produção (adiantamento de recursos), pelo crédito (aos consumidores)e por toda a malha de instrumentos de cobertura financeira no mercado(garantias, participações, operações em moedas estrangeiras, etc.). Em poucaspalavras, os bancos estão em praticamente todas as operações de compra e vendano mercado, de uma forma ou de outra.
Acrise financeira de 2008 desencadeada nos Estados Unidos tomou forma pela vendade títulos imobiliários sem sustentação em garantias reais, os sub-primes,comprados por bancos para suprir de recursos o mercado de imóveis. Essestítulos transacionados com os bancos e entre os bancos serviam de moedafinanceira a muitas outras transações e operações que necessitavam de coberturaou garantias reais.
Resultado,a bolha estourou, os consumidores não conseguiram pagar suas aquisições deimóveis e os papeis imobiliários viraram simplesmente papeis, sem valor equaisquer chances de resgate. Muitos bancos ao redor do mundo ou faliram ou seseguraram às custas do socorro dos bancos centrais ou da ajuda dos Tesouros dospaíses pela emissão de títulos públicos a prazos a perder de vista.
Hámuito que os bancos tomam conta do mercado através de seus poderes de emitirdinheiro pela reprodução de crédito/abertura de contas, e de financiar aprodução e o consumo (das famílias, das empresas e do governo – aqui pelacompra de títulos públicos). Dos males o menor, o capitalismo antes de entrarnuma grande crise ainda conta por último com os bancos que vão fazer de tudopara não ajudar a matar a sua galinha de ovos de ouro.
Oconservadorismo econômico começa a se dar conta, pelo menos no discurso, davisão anticíclica de Keynes. O presidente do Banco da Inglaterra, Mark Carney,o banco central inglês, declarou semana passada numa conferência emLondres,  que o capitalismo pode soçobrarse não agir com ética. Ética no capitalismo? Qual? Como?
Advertiuele que o capitalismo corre o risco de destruir a si mesmo se os banqueiros nãose convencerem que são suas obrigações ajudarem na criação de uma sociedademais justa. Segundo ele, os banqueiros entraram num jogo de perde-e-ganha noqual a ética é duvidosa e do qual aqueles que perderam por não atingir os altospadrões profissionais acabam alijados no ostracismo.
Declarouque começava a tomar forma uma impressão crescente de que o contrato socialbásico no centro do capitalismo estava sendo destruído e gerando desigualdade.“Não podemos simplesmente ter garantido o sistema capitalista na produção dasmuitas e várias soluções. A prosperidade requer não só investimento no capitaleconômico, mas também no capital social”.
Paraele o radicalismo do mercado financeiro face a uma regulação frágil vemerodindo o capitalismo, enquanto escândalos igualmente destroem a confiança nasaúde financeira do sistema. Este fundamentalismo de mercado pode devorar ocapital social. A reação começa quando indivíduos e empresas passam a ter osenso de suas responsabilidades no sistema.
Éum sinal promissor que um representante em alta posição no circuito financeirofale para seus interlocutores dessa forma. O capitalismo há longo tempo segue atrilha da selvageria econômica e financeira a troco de crises que abatem maissobre as pessoas e famílias. Um banqueiro admitindo isso abre espaço pelo menospara negociações menos radicais entre devedores e credores.
Paratornar o sistema financeiro mais regulado e menos predador e corrupto,ameaçando inclusive a saúde dele mesmo, é um grande passo. Mas é precisocombinar também com as empresas e os governos, como diria Garrincha, para queas coisas de fato em conjunto possam tomar um rumo diferente. Um novo pactomundial seria um recomeço honesto onde haja espaço tanto para as empresas e osbancos, mas principalmente para as pessoas e famílias.
Afinal,os bancos e as empresas precisam das pessoas e famílias e essas daqueles. Aselvageria das relações capitalistas só leva à destruição, desemprego, pobrezae desigualdades sem limites. O limite ainda poderá ser o bom senso?

Fonte:Carta Maior
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