Quando José Alexandro da Silva Souza, 35 anos, recebeu seu primeiro salário, em 2001, desejou voltar imediatamente para Afonso Bezerra, no interior do estado. Pelo trabalho de quase duas semanas como operário da antiga fábrica Sacoplast recebeu apenas R$ 20. Mas o rendimento de um mês inteiro não ia muito além disso: era de R$ 150, mais uma cesta básica. Hoje, ele relembra como foi difícil manter a casa com outros dois irmãos na capital. “Eu sobrevivia. Mas se voltasse para o interior não conseguiria o que consegui”, afirma.

Na última década, Alex trabalhou como operador de máquinas e administrador da Sacoplast, comprou um terreno e construiu duas casas, fez cursos técnicos, tentou o vestibular para matemática (só não entrou porque perdeu o horário para o terceiro dia de provas), fez um curso superior à distância e assumiu um emprego estável como instrutor de autoescola, onde recebe mais do que um salário mínimo – hoje de R$724. O que ainda não é o ideal, mas quase o suficiente. “Eu acho o seguinte: o salário é mínimo, dá para sobreviver. Mas hoje, se você organizar o dia a dia, dá para viver”, afirma. Ainda assim, ele não pretende ficar parado: quer fazer o curso de matemática e, posteriormente, abrir o próprio negócio.

Os avanços de Alex são praticamente os mesmos para os 621.900 potiguares que ingressaram, entre 2002 e 2012, na almejada “nova classe média” brasileira – a conhecida classe C – segundo o estudo Vozes, da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, de 2013. No Brasil, o contingente é ainda maior: 54% da população de 119 milhões de habitantes do país pertencem à classe.

Magnus NascimentoEm 2002, a ‘Classe C’ representava 25% da população do RN. Passou para 42% em 2012 e deve consumir R$ 11,8 bilhões no RN em 2014Em 2002, a ‘Classe C’ representava 25% da população do RN. Passou para 42% em 2012 e deve consumir R$ 11,8 bilhões no RN em 2014

De acordo com a definição mais recente da SAE, a classe C engloba a população com renda per capita mensal de R$ 291 a R$ 1.019; ou, no caso de famílias compostas por quatro pessoas, com renda mensal de R$ 1.764 a R$4.076.

O nordeste foi a região que registrou a maior expansão líquida da classe, com um incremento de 20%. No RN, até 2002 a classe C representava apenas 26% da população. Dez anos depois, a classe passou a representar 42% da população.

Em estudo ainda mais recente, feito pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPC) Maps neste ano, 50% dos 814 mil domicílios urbanos pertencem às famílias da classe emergente.

Desde a sua ascensão, a nova classe média foi às compras. No RN, o potencial de consumo em 2013 da classe C foi de R$ 11,3 bilhões. Neste ano, o potencial de consumo pulou para R$ 11,8 bilhões durante o ano. Entre as intenções de gastos do potiguar lideram manutenção do lar, com R$3 bilhões, e alimentação no domicílio, com R$ 2,3 bilhões.

Esse aumento do poder de consumo no estado e no país foi ocasionado pelo aumento da oferta de emprego e acréscimo do salário mínimo, segundo Diana Coutinho, diretora de projetos da SAE e uma das coordenadoras do estudo Vozes. “Essa ascensão foi proporcionada pelas políticas voltadas para o trabalho, com aumento das vagas e do salário mínimo, mas os programas sociais também tiveram importância. Tivemos também uma expansão muito maior da classe média na área urbana, graças aos programas sociais como o Pronaf”, avaliou.

Em 2002, 318.917 pessoas possuíam vínculo formal com o mercado de trabalho potiguar. Dez anos depois, esse número pulou para 602.226 pessoas, segundo dados do relatório RAIS, do Ministério do Trabalho.

Para o diretor do estudo IPC 2014, Marcos Pazzini, o crescimento do poder de consumo no RN é um dos mais representativos no nordeste. O estado aumentou o poder de consumo em 1,28% do ano passado para cá.

“O que se observa agora é um segundo movimento migratório, em que as pessoas que estão na classe C começam a ascender para a classe B devido à melhoria na escolaridade e na renda. Esse aumento é um sinal positivo para a economia do RN, mostra uma movimentação na base da pirâmide”, afirmou. A classe B é responsável por 45,9% do potencial de consumo estimado para este ano no RN, que é de R$ 41,7 bilhões.

Crédito garante acesso à moradia
Os principais investimentos da classe C potiguar nos últimos anos foram com habitação – seguindo uma tendência nacional. O surgimento de programas sociais como o Minha Casa Minha Vida, voltado para famílias com renda mensal de até R$ 5 mil, possibilitaram o investimento na casa própria. Desde 2009, 75.121 imóveis foram financiados no estado. O programa é dividido em faixas, garantindo um subsídio do Governo Federal dependendo da faixa de renda da família. Em Natal, 9.122 imóveis já foram financiados.

O garçom Rafael Britos, 30 anos, morava há seis anos de aluguel com a esposa, Vanessa Macena, e o cachorro – praticamente filho do casal – Soluço. A principal dificuldade da família era financiar uma casa que não comprometesse mais de 50% da renda mensal, que chega a R$ 3 mil. Pelo MCMV conseguiram, há dois anos, financiar um apartamento de dois quartos no condomínio Thesaliah, no bairro Planalto. O condomínio, entregue por etapas, custa ao casal R$ 537, mas será pago ao longo de 300 meses em parcelas decrescentes. O apartamento tem 61 metros quadrados.

Nas contas de Rafael, ele já havia gasto R$ 23 mil com aluguéis. O orçamento de casa ficou mais apertado depois que decidiram comprar o apartamento, mas ele não se arrepende. “Há dois anos tivemos dificuldades financeiras, mas hoje eu tenho um emprego consolidado. O próximo passo é comprar um carro, mas não é nossa prioridade”, conta. “O salário ainda não é o suficiente. Mas a gente consegue puxar de um canto e de outro e sobreviver”, garante.

Mas a moradia não foi a única conquista da chamada classe C nos últimos anos. O acesso ao crédito – desde os cartões de crédito pessoais até a aquisição de empréstimos para montar uma empresa – foram benefícios recentes. De acordo com levantamento feito pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o saldo das operações de crédito no Rio Grande do Norte acima de R$ 1 mil cresceu 18,9% em maio deste ano, se comparado com o mesmo período do ano passado. As operações de crédito somaram R$ 26,1 bilhões no mês.

Já os empréstimos contratados por pessoas físicas tiveram aumento de 17,9% e, para pessoas jurídicas, de 20,5% nos últimos 12 meses. Enquanto isso, a taxa de inadimplência nas operações de crédito ficaram em 3,6%, apenas um ponto acima do mês anterior, abril, que registrou 3,5%. Para as pessoas físicas, a inadimplência chegou a R$ 4,7% e, para jurídicas, 2,3%.

Durante 15 anos, José Adilson da Silva, 50 anos, trabalhou como vendedor. O salário base era complementado pela comissão das vendas. Na época, precisou escolher entre casar e comprar uma moto para o trabalho, porque o dinheiro não dava para as duas coisas. “Casamos e depois veio a moto”, lembra. Quando a empresa fechou, em 2003, ele recebeu R$ 13 mil pelo acordo trabalhista, mas se viu devendo R$ 8 mil no cartão de crédito. Mesmo assim, resolveu investir e montar o próprio negócio: a empresa de licitações Portal Silva Comércio Ltda., em Felipe Camarão.

“Logo no começo foi difícil, nós não tínhamos capital de giro. Depois de dois anos, conseguimos créditos com os bancos para começar a trabalhar”, conta.

Hoje, conseguiu montar duas empresas com sede própria, pagar cinco funcionários e garantir uma renda maior para a família de quatro pessoas. “No máximo eu recebia dois salários mínimo, agora eu tiro o prolabore e vejo tudo o que conseguimos. É o suficiente para viver”, pondera.

Especialistas divergem sobre perspectivas
Na projeção feita pelo estudo Vozes, da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, existem dois cenários. No caso de crescimento com redução da desigualdade, como aconteceu nos últimos dez anos, a classe média passa a representar 57% da população, a alta 30% e a baixa 13% até 2022. No segundo cenário para o mesmo período, crescimento sem redução da desigualdade, a classe média passa a representar 52% da população, a alta 28% e a baixa 20%. Para a diretora do projeto Vozes Diana Coutinho, a classe C ainda não se esgotou. “Há ainda muito espaço para que pessoas ingressem na classe C, mas também torcemos que outras consigam ascender mais, até chegar ao ponto que todos tenham boas condições de vida”, afirmou. Na opinião do diretor técnico do Dieese/RN, é preciso tomar cuidado com o discurso da “nova classe média”, porque a ascensão ainda está longe do ideal. Com base nos custos da cesta básica, o departamento calcula que o salário mínimo, por exemplo, deveria ser de R$ 3.079,31. “Para o mercado é importante classificar por faixa de renda porque é uma forma de diminuir o peso do Estado com serviços como saúde e educação. Dizer que você é da classe C significa que você pode pagar pelos serviços com qualidade”, avalia.

Bate-papo: João Emanuel Evangelista de Oliveira - doutor em sociologia e especialista em Sociologia e Ciência Política UFRN

O aumento da renda é o único fator a ser considerado para definir a nova classe C?
A renda da população e a escolaridade são geralmente os dois fatores usados para definir essas camadas. Na verdade, classe C é uma ficção estatística. A sociologia não considera apenas essas duas variáveis e sim a inserção das pessoas no sistema produtivo e o nível de identidade social e política que elas vão conseguir nas relação inter e extraclasses. Quem divide a sociedade nessas faixas são as pesquisas de mercado.

Então o que seria a classe C?
O que na verdade houve foi uma grande migração das pessoas para uma nova classe trabalhadora. Você tem, na sociologia, a classe dos empresários (produtivos, banqueiros, comerciantes, latifundiários) que também têm frações horizontais e verticais, estatisticamente minoritário na população. Por outro lado, você tem as pessoas que vendem sua capacidade de trabalho, que é a grande maioria da população. E entre essas duas grandes classes existem estratos intermediários, classificados como classes médias, que geralmente ocupam cargos de direção mais próximos aos empresários.

O que justificaria esse aumento do poder de consumo, então?
Nos últimos dez anos o Governo Federal implantou uma série de políticas que ajudou a reduzir a desigualdade social, fazendo com que as pessoas passem a ter uma qualidade de vida melhor do ponto de vista da renda e da capacidade de acesso de itens que até então eram inalcançáveis.
Fonte: Portal Tribuna do Norte
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