Demanda doméstica recua por dois trimestres seguidos (Por Anaïs Fernandes)

O Brasil está flertando com uma nova recessão, embora, oficialmente,

o PIB (Produto Interno Bruto) não tenha recuado por dois trimestres consecutivos, critério popularmente usado para definir essa situação nos ciclos econômicos.


A desaceleração do consumo das famílias e a forte contração do investimento privado –revelados pelos dados da economia divulgados nesta quinta-feira (30) pelo IBGE – somados à recente piora das expectativas em relação ao futuro são sintomas de um ambiente recessivo, segundo analistas.


Alberto Ramos, diretor de pesquisa para América Latina do Goldman Sachs, escreveu em um relatório nesta manhã que a situação atual já é sentida quase como uma recessão:

“Tecnicamente nós podemos ter evitado mergulhar de volta numa recessão, mas, de alguma forma, se sente quase como uma já que a demanda doméstica final (excluindo o consumo do governo) contraiu por dois trimestres consecutivos (e em três dos últimos quatro trimestres)."


O economista destaca que a renda per capita permanece 9,1% abaixo do nível do começo de 2014, antes do início da última recessão que se estendeu entre o segundo trimestre daquele ano e o último de 2016.

 
Em relatório, a LCA Consultores também ressalta que, do ponto de vista apenas da demanda doméstica, a economia está em recessão técnica, já que, somados, o consumo das famílias e a chamada formação bruta de capital fixo recuaram por dois trimestres seguidos. Isso não ocorria desde o fim de 2016.


Embora considere a ocorrência de uma recessão técnica para a economia como um todo no primeiro semestre deste ano pouco provável, a consultoria ressalta que, após a divulgação dos dados do primeiro trimestre, as projeções de crescimento próximas a 1% para 2019 já parecem muito otimistas.


As fases de expansão e contração da atividade no Brasil são estabelecidas pelo Codace (Comitê de Datação de Ciclos Econômicos), ligado à Fundação Getulio Vargas. Os critérios para determinar o início de uma recessão se baseiam no desempenho de uma série de indicadores e não se limitam à regra de dois trimestres consecutivos de queda do PIB.

Em 2014, por exemplo, a atividade econômica recuou no segundo trimestre e cresceu nos dois períodos subsequentes. No entanto, o Codace avaliou que as condições da economia já eram recessivas no período. As decisões do comitê são sempre tomadas olhando para trás, para permitir que as datações sejam feitas com maior precisão.


Por isso, é difícil para os economistas com base em indicadores correntes definirem se o Brasil vive ou não novamente uma recessão. A expectativa é que esse diagnóstico fique mais claro após o fim do segundo trimestre, para o qual o número de indicadores conhecidos ainda é limitado.


O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que a economia brasileira está estagnada e o desempenho da atividade no primeiro trimestre não é novidade —o governo estuda liberar dinheiro de contas ativas do FGTS para impulsionar o consumo.


"A economia está parada, à espera das reformas", disse Guedes. Ele afirma ver crescimento no segundo trimestre do ano, e ressaltou que, “de julho em diante, o Brasil começa a decolar.”


Os dados já divulgados até agora não permitem antever uma melhora do quadro econômico. Do ponto de vista das expectativas de consumidores e empresários, a situação tem piorado, segundo Aloisio Campelo Jr., superintendente de estatísticas públicas do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas).


As sondagens de confiança de diferentes setores referentes a maio, compiladas pela instituição, indicam recuos para patamares anteriores à eleição de 2018, quando o quadro de incerteza no país era muito elevado.


“Os novos resultados mostram que os efeitos de lua de mel com o novo governo já foram totalmente anulados”.


“Esse retorno a patamares anteriores à eleição mostra uma situação ainda pior do que naquele momento, porque a incerteza agora não deveria ser tão grande”, diz Campelo.

Para o economista, os dados de confiança –principalmente as estatísticas que indicam as expectativas em relação ao futuro– revelam que a economia está numa situação quase “limítrofe” entre a estagnação e a recessão.


“Os dados mostram que estamos voltando a níveis de confiança anteriores ao ciclo forte de crescimento que a economia viveu entre 2005 e 2010”, diz Campelo.


A leitura dos números das sondagens é que tanto consumidores quanto empresários mostram grande receio de gastar dinheiro em um horizonte de tempo de três a seis meses.

“Podemos estar vivendo uma transição de um nível de pessimismo moderado para outro realmente mais forte”, afirma o economista.


Em outro relatório, o banco suíço UBS diz que a história do Brasil nos últimos dois anos tem sido a de frustração das expectativas de crescimento  —no documento, a instituição corta sua perspectiva para o PIB de 2019 de 1,8% para 1%.


O banco caracteriza a situação da economia brasileira como estável, mas em um ponto de equilíbrio de baixo crescimento.


"Não acho que a probabilidade de ter processo recessivo seja grande porque há choques pontuais. Nossa expectativa é que podemos ter uma melhora, o que evitaria uma nova recessão. Se não aprovar a reforma da Previdência, aí teremos recessão", diz Tony Volpon, economista-chefe do UBS.


 ABAIXO DE 1%

A confirmação do resultado fraco da economia brasileira no primeiro trimestre e as perspectivas preliminares também fracas para o período seguinte dispararam o gatilho de revisão de projeções dos economistas. Ganha força entre analistas um cenário em que o PIB cresce menos de 1% em 2019.


Se a fraqueza do início do segundo trimestre se confirmar nos próximos meses, as previsões de crescimento econômico no ano devem migrar para a faixa de 0,5% a 1%. A banda entre bancos e consultorias variava entre 1% e 1,5%.


Na avaliação de Fernando Honorato, economista-chefe do Bradesco, um crescimento na faixa de 0,8% e 1,1% —que é a atual previsão do banco— deve concentrar o grosso das projeções. "Olhando até hoje, está com cara que esse nosso 1,1% pode ser revisado um pouco para baixo ao longo dos próximos meses", afirma.


Para ele, definições técnicas, como se a economia está ou não em recessão, devem ser deixadas de lado. "A gente olha para o nível do PIB, do emprego, das vendas do comércio, da indústria, e tudo indica que a economia segue em uma retomada muito lenta. Não é um ritmo adequado, o que importa para o cidadão é que não permite a redução do desemprego."

Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, explica que um efeito estatístico ( ajuste sazonal) pode fazer com que o PIB do segundo trimestre seja um pouco melhor.

"Mas o quadro de estagnação do Brasil é concreto, e é difícil imaginar que os próximos meses serão fortes". A consultoria revisou sua projeção do PIB em 2019 de 1,1% para 0,9%.

O Citi Brasil também revisou, nesta quinta, sua estimativa para 0,9%, ante 1,4%.


O economista André Perfeito, da Necton Investimentos, já trabalhava com essa expectativa e disse que agora deve reduzir para algo como 0,7%.


Segundo ele, medidas anunciadas pelo governo como a liberação de dinheiro do FGTS podem dar algum respiro para a economia no curto prazo, mas "não vai ser isso que vai resolver o nível de atividade".


A projeção atual de 0,7% do Banco Fator tem uma tendência de baixa, segundo o economista-chefe do banco, José Francisco de Lima Gonçalves.


Mesmo na hipótese de uma boa reforma da Previdência ser aprovada no segundo semestre e animar investidores, ele diz, não daria tempo de decisões de investimento fazerem a roda da economia girar.


O Banco Safra projetava o primeiro trimestre no zero a zero e um PIB de 1% em 2019. "Tem um viés de baixa marginal agora", diz Carlos Kawall, economista-chefe do banco.

O Brasil segue imerso no que ele chama de "eventos binários". "Vai ter impeachment ou não? Vai ganhar candidato reformista ou não? Vai aprovar a Previdência ou não? Estamos sempre no limite do abismo." (Fonte: Folha.com)

 

 

 

 

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