A medida vai na direção contrária à cartilha liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes 

Foi uma resposta à pressão de um grupo de senadores, entre eles o senador Eduardo Braga (MDB-AM), que ameaçou aprovar uma regulamentação impondo "goela" abaixo do BC medidas ainda mais radicais, inclusive no mercado de cartões de crédito (Por Adriana Fernandes)

BRASÍLIA - Na direção contrária da cartilha liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes, a decisão do Conselho Monetário Nacional (CNM) de fixar o limite de 8% ao mês para os juros do cheque especial deixou uma sensação de incômodo geral na área técnica do governo.

Foi uma resposta à pressão de um grupo de senadores, entre eles o senador Eduardo Braga (MDB-AM), que ameaçou aprovar uma regulamentação impondo "goela" abaixo do Banco Central (BC) e do governo medidas ainda mais radicais, inclusive no mercado de cartões de crédito. Na última quinta-feira, Braga antecipou ao Estadão/Broadcast que iria apresentar proposta para limitar os juros das operações de crédito no País. Ontem, no plenário, disse esperar "mudança radical" nos juros do rotativo do cartão de crédito em janeiro de 2020. Procurado ontem para comentar o assunto, ele não retornou.

Há pelo menos um mês, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, oriundo do Santander - banco que integra os chamados "cinco grandes" do País que detém 80% do mercado - vinha tentando convencer o ministro da Economia, Paulo Guedes, a dar o sinal verde para a mudança que tem forte apelo popular e total simpatia do presidente Jair Bolsonaro. A medida foi mantida num grupo restrito e a área técnica teve apenas uma semana para analisar a proposta antes do CMN.

Até ontem, na véspera da decisão, havia a expectativa de que o tabelamento seria postergado e não sairia nessa reunião de novembro do CMN, tamanha era a polêmica e o enfrentamento técnico na equipe do Ministério. A proposta, no entanto, estava em discussão no BC há cinco meses.

O teto dos juros sempre foi um tabu no Brasil e é uma medida radical de intervenção regulatória do Estado no Sistema Financeiro Nacional (STF). Representa uma reviravolta de 180 graus no posicionamento do Banco Central, que nunca admitiu nos seus documentos oficiais que faltava competição, com taxas justas, no mercado bancário.

Com discurso sempre contrário ao uso da mão forte do Estado no mercado, Guedes deu seu voto decisivo, mesmo com o desconforto da equipe. Segundo interlocutores, foi um voto de confiança em Campos Neto.

O presidente do BC, neto de Roberto Campos, um dos maiores expoentes do liberalismo brasileiro, insistiu "muito, muito", segundo integrantes da equipe econômica. Campos Neto avaliou que a medida está madura diante da resistência dos bancos em acelerar o processo de queda dos juros dos empréstimos bancários, mesmo com os juros básicos em patamares historicamente baixos.

Para o presidente do BC, falhou o modelo de autorregulação do mercado, proposta em acordo com a Federação Brasileira de Bancos (Febraban). A gota d´água foi o movimento de alta dos juros de cartão de crédito, depois de uma fase de queda verificada com a revisão da regulação adotada no governo Michel Temer. A avaliação foi a de que o bancos estavam tangenciado o problema e não entenderam o recado do Congresso.

Na nova configuração do CMN formada pelo governo Bolsonaro, além do presidente do BC, votaram o ministro da Economia e o seu subordinado, o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues. Esse modelo reforça o peso de Guedes no CMN.

Em entrevista publicada na segunda-feira pelo Estado, o diretor o diretor de Organização do Sistema Financeiro e de resolução do Banco Central, João Manoel Pinho de Mello, já havia dado uma sinalização do que estava por vir, quando questionado sobre o movimento do Senado para limitar os juros dos chamados produtos emergenciais, como o cheque especial e cartão de crédito.

"O legislador é soberano para tomar suas decisões. Nós aqui temos o papel de criar condições estruturalmente sustentáveis de competição, tomar medidas para diminuir as ineficiências e custos do sistema, aumentando a concorrência. Mas às vezes a concorrência não entrega os benefícios. Quando ela não entrega, justifica intervenções. E para isso temos um leque regulatório para aumentar a eficiência", disse ele, acrescentando o BC não vai se furtar da sua prerrogativa.

Faltando pouco mais de um mês para completar um ano de governo, Bolsonaro ganhará pontos com a população. Uma medida nem mesmo adotada pelo governo do PT de Lula e Dilma Rousseff. (Fonte: Estadão)

0
0
0
s2sdefault