Reajuste anual desconsidera gastos de um ano inteiro (Public Domain Pictures)


Considerando a inflação mês a mês, o brasileiro foi obrigado a tirar do bolso valor que não é reposto na correção anual do governo federal (Por Marcos Rogério Lopes)

Tente negociar com o dono do supermercado perto de sua casa para que ele pare de aumentar os preços de todos os produtos por um ano inteiro, mas deixe claro que no fim de dezembro você "compensará as perdas" da inflação, pagando a partir de então os valores corrigidos pelo índice apurado pelo IBGE.

Parece um absurdo e certamente é, mas essa mesma lógica é utilizada na atualização anual do valor do salário mínimo. E ninguém a contesta.

Considerando a inflação mês a mês de 2019, o brasileiro que depende de um salário mínimo foi obrigado a tirar do bolso exatos de R$ 327,75 que jamais serão repostos. A conta fica bem maior de acordo com o holerite do trabalhador. Quem ganha três salários mínimos, perdeu quase R$ 1.000.

A mesma lógica, da recomposição da inflação após 12 meses, é aplicada nos dissídios das categorias profissionais, que levam em conta os aumentos de preços registrados no passado.

"Como os valores só são repostos após o cálculo da inflação, fica claro que o trabalhador precisa pôr a mão no bolso para manter o poder de compra", diz o  advogado perito em cálculos previdenciários do escritório de advocacia Aith, Badari e Luchin, Giovanni Magalhães.

Se essa regra de correção tornou-se corriqueira e aceita, não é utilizada, por exemplo, no cálculo de quanto cada morador deve pagar pelo condomínio de seu prédio. E por uma questão muito simples: se faltar verba para quitar as despesas  do mês que está começando, alguém vai ficar sem dinheiro.

Teoria do tanque cheio
Para entender melhor a questão, imagine que para cumprir todas suas funções em 30 dias um motorista gaste exatamente um tanque cheio de gasolina. No mês seguinte, no entanto, com o desgaste do veículo, o carro passa a consumir mais e, para evitar uma pane seca, esse sujeito se vê obrigado a acrescentar cada vez mais combustível.

O desgaste do veículo que faz o carro consumir mais é similar à inflação, e esse gasto extra do motorista no posto de gasolina é o que ninguém jamais calcula e nunca é reposto pelos ajustes anuais do salário mínimo do governo federal, que, mantendo a metáfora, apenas corrige o desgaste do automóvel.

No início deste ano, o governo Bolsonaro anunciou com estardalhaço que corrigiria o salário mínimo em 4,71%, acima do índice apurado pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) de 2019: R$ 4,48%. O valor passou de R$ 998 para R$ 1.039 em 1º de janeiro, e R$ 1.045 a partir de fevereiro.

Sim, é um aumento a ser comemorado, observa Magalhães, mas é ilusória a ideia de que ele repõe o poder de compra dos brasileiros.

O advogado diz que, apesar de ser justa a reivindicação, acha inviável uma ação na Justiça pedindo a equiparação.

Para ele, a saída para corrigir essa distorção seria a mudança na lei. "Vejo mais como uma questão política do que judicial. Seria necessário escolher pessoas que entendam esse prejuízo e busquem mudá-lo, ou criar um projeto de lei que corrija isso."

Mês a mês, veja de quanto foi a perda do trabalhador:

Aos números
O salário mínimo de R$ 998 estabelecido na virada de 2018 para 2019 não manteve o poder de compra sequer até o fim do primeiro mês do ano passado. Com a inflação de 0,36% de janeiro, calculada pelo INPC, o correto, para manter a capacidade financeira do trabalhador, seria um novo reajuste no dia 31, para R$ 1.001,59.

Essa correção deveria valer para todos os meses do ano. No fim de fevereiro, com os 0,54% de inflação, o salário mínimo iria a R$ 1.007. Março, R$ 1.014,76; abril, R$ 1020,84... assim, até chegar ao fim de dezembro, quando teria acumulado uma defasagem superior a R$ 44 e precisaria valer R$ 1.042,73.

O advogado perito em cálculos previdenciários conta que tais perdas são ainda maiores se forem considerados os anos de 2018 e 2017, nos quais o reajuste dado pelo governo federal ficou abaixo da inflação medida no período.

Mínimo teve ganho menor que inflação em 2 dos últimos 10 anos
Magalhães relembra ainda que o salário mínimo nacional está muito longe de suprir as necessidades básicas das famílias.

"O Dieese [Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos] faz o acompanhamento mensal do que seria o valor ideal do salário mínimo e ele é sempre bem superior ao definido pelo governo federal."

Em dezembro de 2019, o Dieese sugeria como valor para o salário mínimo R$ 4.342,57. (Fonte: R7)

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