Pandemia aumentou ainda mais o número de desempregados e trouxe cautela nas contratações; especialistas creem que jovens serão os mais atingidos, salários serão mais baixos e que haverá explosão da informalidade.

(Por Marta Cavallini) A pandemia trará um efeito devastador no mercado de trabalho, afetando principalmente os trabalhadores menos qualificados e mais jovens, segundo previsão de especialistas.

Além de estatísticas oficiais já mostrarem o aumento do desemprego no país mês a mês, pesquisas mostram que as empresas já estão congelando ou reduzindo contratações, salários e promoções e preveem enxugar ainda mais o quadro de funcionários.

Em abril, a taxa de desemprego estava em 12,6%, atingindo 12,8 milhões de pessoas. Somente no trimestre terminado naquele mês, quase 5 milhões de postos de trabalho foram fechados em relação ao trimestre terminado em janeiro, segundo a Pnad Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Dos 4,9 milhões de pessoas a menos na ocupação, 3,7 milhões foram de trabalhadores informais. O emprego com carteira assinada no setor privado teve uma queda recorde também, levando ao menor contingente de pessoas com carteira assinada, que é de 32,2 milhões.

Os números do IBGE do 1º trimestre também mostram que o desemprego é maior entre trabalhadores com escolaridade mais baixa e entre os jovens:

 - O desemprego é maior na faixa etária de 14 a 17 anos (44%) e de 18 a 24 anos (27,1%)
 - No Nordeste, o desemprego na faixa entre 14 e 17 anos chegou a 34,1%
 - O desemprego é maior entre as pessoas com ensino médio incompleto (20,4%)
 - Para o grupo com nível superior incompleto, a taxa foi estimada em 14%, mais que o dobro da verificada para aqueles com nível superior completo (6,3%)

Os impactos da pandemia na atividade econômica levaram ainda ao fechamento de 1,1 milhão de vagas de trabalho com carteira assinada entre os meses de março e abril. Apenas em abril, foram fechados 860,5 mil postos de emprego formal, o pior resultado para um único mês em 29 anos, segundo dados do Caged, do Ministério da Economia.

Juliana Inhasz, coordenadora da graduação em economia do Insper, afirma que os efeitos para o trabalhador desempregado com renda mais baixa serão mais perversos porque, no geral, ele possui qualificação menor e terão de disputar vagas com aqueles que têm qualificação maior.

“A gente tem um mercado com muita gente desempregada, inclusive com mais qualificação, que se mostra disposta a trabalhar por salários menores do que ganhava quando deixou o mercado. E essas pessoas vão acabar sendo talvez mais atrativas do que as com baixa qualificação. Então esses trabalhadores de baixa renda vão ter uma dificuldade maior para se recolocar”, diz.
Para Juliana, a recolocação deve ser difícil especialmente para quem não tem nenhuma qualificação nem diferencial, porque o mercado estará concorrido, e a volta ao mercado se tornará mais fácil à medida que ele voltar se aquecer, mas não há como prever quando isso vai acontecer.


“Essa retomada do mercado pode acontecer de uma forma muito lenta e gradual, e aí quando a gente olha as pautas que o governo deve começar a colocar em jogo de novo, como as reformas tributária e administrativa, que devem segurar um pouco a economia no curto prazo, talvez essa retomada seja lenta, então a gente está falando aí de trabalhadores que vão ficar sem emprego durante um tempo relativamente elevado”, prevê.

Daniel Duque, pesquisador do FGV Ibre, considera que, quando há uma crise no mercado de trabalho, os mais atingidos são os que têm menor qualificação, em especial os jovens com menos experiência e menos a oferecer.

“Então as pessoas que têm menor escolaridade e menos qualificação terão mais dificuldade de se recolocar do que quem tem formação superior e especializações. Os jovens tiveram a possibilidade do serviço de entrega que foi um certo colchão”, afirma.

Daniel Duque aponta que os trabalhadores mais qualificados tiveram uma piora bem menos significativa.

“Quando você olha a renda média da Pnad Contínua ou o salário de admissão do Caged, eles aumentaram. Isso significa que estão sendo expulsos do mercado de trabalho aqueles com menores rendimentos, e os empregos formais criados no período de pandemia são os de maior salário, então você vê mesmo uma mudança de composição do mercado de trabalho”, informa.


Informalidade
Para Duque, a grande questão será a capacidade do mercado de absorver os informais. “É claro que existe no setor informal uma menor dependência da atividade econômica. Mas é possível que o mercado não consiga absorver essa informalidade ainda mais pela situação das aglomerações, desse ambiente do qual a informalidade depende que agora está muito limitado. O que eu acho que vai acontecer é o aumento não só da informalidade, mas do próprio desemprego. E isso afeta também os autônomos”.

Segundo ele, o comércio e serviços dos informais dependem muito de aglomerações para ter viabilidade econômica. E a redução do movimento de pessoas com a pandemia gera perda de ocupação dos informais também.

Duque prevê que a chamada economia de bicos vai crescer muito. “Ela vai gerar cada vez mais um novo normal na economia. E isso vai ter um efeito ruim para o mercado de trabalho no sentido de que as pessoas vão ter cada vez mais volatividade nos rendimentos”, diz.

Juliana aponta que o aumento de autônomos se dará por necessidade e falta de oportunidades. “Vai ter aumento de muita gente fazendo bico, se virando, sem uma colocação muitas vezes nítida, mas que está tentando de alguma forma criar renda”.

Na opinião de Juliana, a fragilidade econômica e a recolocação mais difícil naturalmente empurram trabalhadores para situações desfavoráveis, como a informalidade, que deve continuar crescente, e menor proteção trabalhista.

“É um trabalhador que está mais desprotegido porque concorre com muita gente que está desempregada, então vai ter que abrir mão de muita coisa para conseguir se recolocar e infelizmente pior do que quando saiu desse mercado, com salários mais baixos e certamente com uma informalidade maior e emprego de pior qualidade”, comenta.

Salários
Duque estima que nos próximos meses ou talvez anos não haja grandes ganhos salariais. Para ele, a economia pós-Covid trará grandes investimentos em tecnologia e, ao mesmo tempo, menor contratação de trabalhadores, de modo que isso tende a gerar uma perda relativa dos salários em relação à produção. “Ou seja, mesmo que a economia cresça, a gente não deve ver nos próximos anos um crescimento significativo ou até existente da renda do trabalho no país”.

Juliana lembra que as empresas já estão congelando e reduzindo salários e contratações. Então, naturalmente, o mercado de trabalho continuará sofrendo enquanto a economia não voltar a ser ativada de forma mais vigorosa.

“Os salários provavelmente serão achatados, especialmente para as pessoas que entram no mercado, então vão se recolocar com um salário menor. Quem está no mercado vai conseguir reajustes menores, e quem se recolocar será ou com contrato pessoa jurídica (PJ), temporário ou informal”, opina.

Setores em alta e baixa
Duque acredita que os setores de alimentação, saúde, tecnologia e telecomunicações serão grandes contratadores. “Com a adoção do teletrabalho, haverá muita demanda de tecnologia que possibilite isso, a internet e equipamentos de informática terão que ser melhores, assim como a própria manutenção que terá de ser frequente, então esse tipo de produção e serviços exigem maior qualificação e serão cada vez mais demandados”, afirma.

Já Juliana aponta que o setor de serviços é o mais afetado com a queda na renda. “As pessoas deixaram de lado vários hábitos e acabaram cortando gastos justamente nesse setor. O comércio também sai um tanto abalado por conta disso. Tirando aquilo que é necessidade básica, como alimentação, moradia e gastos com saúde, despesas com supérfluos, que não são itens de primeira necessidade, devem cair substancialmente”, diz.

Idosos
Levantamento elaborado pelo economista Bruno Ottoni, pesquisador do IDados e do Ibre/FGV, com bases em dados do IBGE, mostra que 1,3 milhão de idosos deixaram de trabalhar ou procurar um emprego no primeiro trimestre em comparação com mesmo período do ano anterior.

É esperado que as pessoas mais velhas, inclusive devido a aposentadorias, sejam proporcionalmente as que mais saiam da força de trabalho, mas Ottoni diz que ficou impressionado com o volume. O economista lista como hipóteses para a aceleração da saída dos mais velhos do mercado de trabalho a decisão de pessoas já aposentadas de deixar um trabalho informal para ficar em casa ou a opção dos empregadores por funcionários mais jovens e menos vulneráveis à Covid-19.

A coordenadora da graduação em economia do Insper afirma que profissionais têm aceitado trabalhar por salários mais baixos e em condições diferentes por conta do tempo que falta para a aposentadoria.

“A mudança do sistema previdenciário fez com que as pessoas tivessem que ficar mais tempo trabalhando. Os mais velhos são prejudicados assim como os mais jovens porque os salários são mais achatados e as condições de trabalho estão piores que antes”, explica.

Saída será se reinventar
Duque indica aos trabalhadores a busca de habilidades na área de tecnologia, que terá muita demanda de profissionais nos próximos anos.

“O problema é que parte da população adulta tem menos capacidade de aprendizado de novas habilidades e baixa qualificação, então essa combinação dificulta muito a capacidade de se reinventarem de tal forma a conseguir se readaptar. Então a tendência é elas serem absorvidas pela economia de bicos ou ficarem desempregadas”, comenta.

Juliana aponta que uma alternativa aos trabalhadores de baixa renda é investir em qualificação mais simples. “O ideal seria investir em mais qualificação, e a gente não fala aqui em qualificação de alto nível, como MBA ou pós-graduação, mas buscar um novo horizonte, se reciclar, buscar conhecimento novo dentro da mesma área, perceber o que o mercado de trabalho está procurando”.

Para ela, os profissionais mais valorizados serão aqueles que aceitem contratação via PJ, com contratos mais flexíveis, jornadas um pouco menores e mais customizadas.

“O mercado vai exigir cada vez mais um trabalhador que consiga se adequar a momentos cada vez mais diferentes ou difíceis. Versátil para encarar a dificuldade como um desafio, adaptável a qualquer situação rapidamente e com disposição para se aperfeiçoar”, explica.

Juliana afirma que sai na frente quem enxerga dentro da crise grandes oportunidades de crescimento profissional. “O mercado está precisando de gente para fazer coisas que antes não precisava, então muitas vezes o profissional pode se qualificar no sentido de estudar mais o mercado, e aí dentro de sua própria área ver possibilidades que existem para que possa se recolocar”.

No caso do setor de serviços, que é o que mais emprega no país e foi fortemente abalado pela pandemia, quem perder o emprego terá que se reinventar e procurar onde a demanda está concentrada.

"A grande saída nesse primeiro momento é entender qual é a forma de adaptar o que eu presto de serviço para aquilo que o mercado quer agora. Se não for possível se reinventar, a ideia é procurar outra oportunidade, então será que eu posso fazer alguma outra coisa que o mercado quer? Porque, caso contrário, as pessoas vão cair numa situação de fragilidade econômica e social muito grande”, avalia a coordenadora da graduação em economia do Insper.

Compensação de renda como alternativa
Daniel Duque aponta que, a até a pandemia deixar de ser uma preocupação mundial, não haverá uma retomada das atividades do comércio como era anteriormente. “O consumo presencial será substituído pelo consumo na internet, que já era uma tendência e houve um aumento da participação desse setor”, avalia.

O economista afirma que essas mudanças tendem a ser poupadoras de mão de obra, ou seja, haverá menos demanda por profissionais, pois a nova configuração mundial será baseada na dependência menor de trabalhadores para a produção econômica. Por isso, na opinião dele, medidas de proteção de emprego podem ser ineficazes porque não fazem sentido para uma empresa que precisa mudar, poupar mão de obra, diminuir o efetivo permanentemente.

“É preciso criar mecanismos de compensação de renda para quem for afetado nessa pandemia. Essa é a grande política pública pós-pandemia”, recomenda.

Ele sugere a criação de um programa mais abrangente de transferência de renda, hoje limitado ao Bolsa Família que, para ele, tem um critério de renda limitado.

“As pessoas vão cada vez mais transitar entre a pobreza e não pobreza, como os informais, por exemplo, que às vezes conseguem uma renda melhor num mês e no outro não consegue nada. E programas que se limitam a uma linha de renda muito baixa como o Bolsa Família acabam excluindo essa parte da população. Então a gente vai ter que criar uma nova estrutura que permita chegar a uma parte maior da população e focar nos informais, nas mães com crianças”, opina. (Fonte: G1)

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