Presidente do TST defende negociações e maior flexibilidade das regras trabalhistas Nas últimas três semanas, sindicalistas, juízes e advogados trabalhistas têm se engalfinhado em um debate intelectual sobre a melhor forma de aplicar a lei trabalhista durante a recessão em que o país se encontra. Mais do que um embate meramente setorial, a discussão é o prenúncio do que está por vir em 2016 para milhões de trabalhadores brasileiros: os profissionais da área trabalhista se preparam para enfrentar o que já consideram o pior e o mais duro ano para as negociações salariais desde o início do Plano Real.

“A categoria que conseguir ao menos repor a inflação vai poder soltar foguete”, diz o deputado federal e presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho (SD-SP). A razão, segundo o sindicalista, está na nefasta associação dos temas que serão colocados na mesa de negociação neste ano: uma recessão histórica, aumento do desemprego, que pode chegar a 13% no ano, e a inflação de 10,71% registrada no ano passado, a maior desde 2002. “A crise é tão profunda, tão espalhada por tantos setores, que a discussão, em muitos casos, não inclui falar em reajuste, mas em garantir o pagamento dos salários”, diz Paulinho.

Em paralelo à questão de quanto será o reajuste, entrou em cena a discussão sobre como fazer o reajuste - em outra palavras, se não seria o momento de flexibilizar as regras de contratação e de negociação salarial. Quem levantou a bola foi o novo presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ives Gandra Filho, tão logo assumiu o posto.

Na manhã de 25 de fevereiro, Gandra Filho, após uma longa negociação, conseguiu que os aeroviários assinassem a renovação de sua convenção coletiva de trabalho. Os trabalhadores conseguiram o que parecida impossível: a reposição integral da inflação de 2015. Gandra mediou o consenso depois de a categoria ter ameaçado até atrapalhar a folia nacional, suspendendo voos em pleno carnaval.

Na tarde do mesmo dia, tomou posse como presidente do TST. Em seu discurso, reforçou a importância de acordos como aquele, a ampliação da terceirização e a flexibilização das regras trabalhistas para ajudar o país a sair da crise. No domingo seguinte, o jornal O Globo publicou uma entrevista em que ele ia além: defendia a negociação entre as partes para fechar acordos fora da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e disse que os colegas juízes trabalhistas deviam ser menos “paternalistas”, pois muitas vezes davam indenizações de “mão beijada”.

A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) reagiu e soltou uma nota. “Ele foi injusto com a categoria”, disse Germano de Siqueira, presidente da entidade e autor da nota. “Além do mais, a CLT não é um entrave: é uma proteção, e há um certo oportunismo em dizer que a regulamentação é um entrave para a economia num momento de crise.”

Dias depois, em apoio à Anamatra, o senador Paulo Paim (PT-RS) ocupou a tribuna do Senado para fazer um longo discurso. “Não é o momento para se discutir flexibilização, porque os trabalhadores estão numa posição frágil”, disse Paim ao Jornal O Estado de S. Paulo.

Na sequência, mobilizaram-se os que apoiam Gandra. Um grupo de 60 advogados, dos maiores escritórios de advocacia do País, soltaram na semana passada um manifesto. “A discussão sobre capital e trabalho hoje está desequilibrada: as empresas estão fragilizadas, muitas estão quebrando, mas ainda assim são as últimas a falar e as primeiras a apanhar numa mesa de negociação”, diz Cássia Pizzotti, do Demarest, advogada que assina o manifesto. “Ives é uma pessoa de extremo equilíbrio e acho que colocou o tema na hora certa: há 40 anos o País adia uma reflexão sobre esse tema crucial”, disse outro advogado que prestou apoio, Solon de Almeida Cunha do escritório Machado, Meyer.

De sua parte, Gandra mantém o argumento: “No TST, há quem defenda uma rigidez maior da aplicação da legislação e outros que defendem uma maior flexibilização. Defendo uma intervenção menor, de modo a prestigiar a negociação coletiva, recomendada pela própria Organização Internacional do Trabalho”, disse ao jornal.

E explicou os motivos: “No período em que ocupei a vice-presidência do TST, consegui conciliar praticamente todos os dissídios coletivos que chegaram, porque apliquei um princípio que pode continuar servindo de norte para as negociações salariais no contexto de crise econômica em que vivemos”, disse. “Se não é possível reajustar os salários com a reposição integral da inflação, para cada ponto porcentual abaixo da inflação, é preciso que as empresas ofereçam alguma vantagem compensatória atrativa, como a garantia de emprego, ou do nível de emprego no setor, ou benefícios sociais que se tornem depois conquistas da categoria.”

Números

A série histórica de dados sobre reposições salariais, do Dieese, dá uma ideia da dificuldade que vem por aí. Na era Real, o ano mais sofrido para os trabalhadores foi o de 2003, quando o PIB recuou 0,2%. Apenas 19% das negociações conseguiram reajustes acima da inflação na época.

“O ano passado já foi difícil”, diz Airton dos Santos, coordenador de atendimento técnico sindical do Dieese. “A categoria mais mobilizada do País, os metalúrgicos do ABC, tiveram reposição, sem ganho real, e os banqueiros, um dos poucos que ainda lucram, choraram demais na mesa de negociação. 2016 vai ser bem pior.” (Fonte: Gazeta do Povo)
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